A ciência veterinária não reconhece o autismo como uma condição existente em cães. Até hoje, não há critérios diagnósticos nem estudos conclusivos que comprovem a presença do Transtorno do Espectro Autista (TEA) no universo canino.
Mesmo assim, é comum que tutores levantem a hipótese de “autismo em cães” ao notar comportamentos diferentes do habitual.
A falta de interação, isolamento, reações exageradas a estímulos repetitivos são exemplos que costumam gerar esse tipo de dúvida – justamente por lembrarem, ainda que superficialmente, algumas características presentes em humanos com TEA.
Essas semelhanças, no entanto, não significam que o pet seja autista. O mais provável é que ele esteja lidando com algum distúrbio comportamental, emocional ou neurológico – todos já reconhecidos e estudados pela medicina veterinária.
Neste artigo, você vai entender por que o termo “cachorro autista” é equivocado, quais condições podem causar sintomas parecidos e quando buscar orientação profissional. Confira!
Quais distúrbios comportamentais podem parecer autismo em cães?
Apesar de o termo “autismo em cães” ser comum nas buscas online, os sinais que motivam essa associação geralmente têm outras causas.
Alguns padrões de comportamento em cães podem lembrar sinais do espectro, mesmo sem qualquer relação com o autismo, como:
- isolamento;
- falta de interação;
- hipersensibilidade;
- padrões repetitivos.
Na prática clínica, esses sinais geralmente estão ligados a outras condições comportamentais ou neurológicas já bem documentadas. Conheça as mais comuns:
Transtornos de ansiedade
Cães ansiosos podem se isolar, apresentar tremores, hipervigilância, vocalização excessiva, destruir objetos ou desenvolver compulsões como lamber excessivamente as patas ou girar sobre si mesmos.
Como envolvem padrões repetitivos e alterações sociais, esses comportamentos muitas vezes são confundidos com traços do TEA. No entanto, trata-se de um quadro ansioso, com causas emocionais, ambientais ou até traumáticas.
Transtornos compulsivos (TOC canino)
Embora diferentes do TOC humano, os transtornos compulsivos em cães também envolvem comportamentos repetitivos sem função aparente, como morder o ar, perseguir sombras ou correr em círculos de forma insistente.
Essas ações estereotipadas lembram os chamados comportamentos restritivos e repetitivos observados no autismo humano, o que frequentemente gera interpretações erradas.
O tratamento exige avaliação comportamental especializada e, em alguns casos, medicação.
Déficits de socialização
Filhotes que não passam por uma socialização adequada nas primeiras 12 semanas de vida podem apresentar dificuldades de interação com humanos, outros cães ou estímulos do ambiente.
A ausência de experiências positivas nessa fase crítica compromete o desenvolvimento de habilidades sociais, como comunicação, brincadeiras e controle da mordida.
Esse perfil comportamental pode ser confundido com autismo, especialmente por tutores que desconhecem a fase crítica da socialização.
Segundo estudo da UFPR e UniLogos (2022), a exposição gentil e progressiva a diferentes sons, toques e situações nessa fase é essencial para evitar distúrbios futuros.
Hipersensibilidade sensorial
Alguns cães reagem de forma exagerada a sons, luzes, toques ou mudanças de rotina.
Essa reação exagerada pode se assemelhar à hipersensibilidade sensorial descrita em humanos com TEA, mas tem origem distinta na medicina veterinária.
Na medicina veterinária, esses quadros são estudados como distúrbios sensoriais ou emocionais, geralmente relacionados à ansiedade ou experiências traumáticas.
Com o manejo adequado, enriquecimento ambiental e apoio profissional, é possível melhorar significativamente a qualidade de vida do pet.
Problemas neurológicos
Certas doenças que atingem o sistema nervoso central – como encefalite, epilepsia, tumores cerebrais ou traumas – também podem provocar mudanças significativas no comportamento.
É comum haver falta de resposta a estímulos, movimentos anormais, prostração ou padrões repetitivos. Nesses casos, o diagnóstico neurológico é fundamental, já que o tratamento depende da causa específica e pode envolver medicação contínua ou intervenções clínicas.
Esses sinais não indicam autismo, mas podem ser sintomas de transtornos de comportamento, ansiedade ou até condições neurológicas que merecem avaliação profissional.
Por que é importante conhecer esses distúrbios?
Mesmo sem base científica para o diagnóstico de autismo em cães, os comportamentos que geram essa confusão são legítimos e podem indicar sofrimento físico ou emocional.
Observar alterações comportamentais e buscar ajuda especializada é a melhor forma de garantir bem-estar, independentemente da condição envolvida.
Conhecer os distúrbios mais comuns ajuda os tutores a:
- identificar sinais precoces de desequilíbrio;
- evitar diagnósticos equivocados;
- buscar o acompanhamento correto com um médico-veterinário ou especialista em comportamento animal.
Quanto antes o problema for identificado, maiores as chances de melhorar a qualidade de vida do animal.
Por isso, evite rótulos equivocados. Se notar atitudes incomuns no seu pet, procure orientação profissional. Com o acompanhamento certo, é possível garantir conforto e bem-estar – independentemente do nome que se dê ao problema.
O que a ciência diz sobre “autismo canino”
Segundo um estudo publicado no Journal of Veterinary Behavior (Zamzow et al., 2017), cães podem manifestar certos aspectos neurocognitivos semelhantes aos do TEA, mas sem que isso configure um diagnóstico compatível com o autismo humano.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), referência global para o diagnóstico de TEA em humanos, não se aplica a animais. Atualmente, não há nenhum protocolo validado na medicina veterinária que reconheça o espectro autista em cachorros.
De acordo com uma pesquisa publicada também no Journal of Veterinary Behavior (Zamzow et al., 2017), cães da raça bull terrier apresentaram comportamentos estereotipados, como girar compulsivamente em círculos – classificados como ações repetitivas.
Os pesquisadores identificaram nesses cães níveis elevados de neurotensina (NT) e CRH – substâncias também relacionadas ao autismo humano.
Apesar da semelhança, os autores foram enfáticos ao dizer que isso não representa um diagnóstico de TEA, mas sim um transtorno compulsivo canino (Zamzow et al., 2017).
Além deste caso, outras pesquisas também buscaram entender se as alterações comportamentais em cães poderiam refletir traços funcionais semelhantes aos do TEA.
Uma pesquisa com poodles, por exemplo, identificou alterações no comportamento social e na comunicação, sugerindo padrões comparáveis aos observados em humanos no espectro.
No entanto, novamente, os pesquisadores reforçaram que se tratava de um modelo funcional comparativo, e não de autismo canino propriamente dito (Topál et al., 2019).
Esses estudos sugerem que cães podem manifestar certos aspectos neurocognitivos semelhantes aos do TEA, mas sem que isso configure um diagnóstico compatível com o autismo humano.
Fonte: Cobasi
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