Com a chegada do Dia das Crianças, não podemos deixar de notar uma tendência interessante: o crescente número de "pais de pet" que estão elevando a celebração para além das fronteiras humanas. Atualmente, os animais de estimação não são apenas bichinhos em casa; são membros queridos da família que recebem atenção especial nesta época festiva. Com brinquedos, mimos e até festas temáticas, a tendência reflete a importância cada vez maior que as pessoas atribuem aos seus leais companheiros.
Há 15 anos, a empresária Patrícia Camargo, de 38 anos, e o dentista Mateus Santana, também de 38 anos, começaram sua jornada juntos com o sonho de formar uma família tradicional. No entanto, à medida que o tempo passou, perceberam que ter filhos humanos não era uma vontade genuína, mas sim uma expectativa social. Decidiram, então, adiar esse plano, considerando as responsabilidades envolvidas na criação de crianças.
A decisão de não ter filhos trouxe consigo alguns julgamentos, mas o casal, apaixonado por animais desde pequenos, encontrou alegria em ter seus "filhos de quatro patas". Armandinho entrou em suas vidas há 9 anos, seguido por Nina dois anos depois. Para Patrícia, cuidar deles é uma responsabilidade para toda a vida, e ela os trata como verdadeiros filhos.
Os momentos de viagem, idas a restaurantes e até mesmo compras do dia a dia são compartilhados com Armandinho e Nina, membros essenciais da família. Sempre escolhem lugares pet friendly, onde os animais são bem-vindos. Além de mimados em casa, com liberdade para dormir na cama do casal ou em suas próprias caminhas, os dois têm um guarda-roupa cheio de roupinhas para todas as estações.
Armandinho e Nina não passam despercebidos em datas especiais, ganhando festas de aniversário anuais e presentes em momentos como o Natal. A família também inclui os animais em ensaios fotográficos, celebrando a vida e o privilégio de tê-los por mais um ano.
Carolina de Arruda Botelho Mattar, empreendedora de 37 anos, compartilha uma história semelhante com seu marido Eduardo. Casados há 9 anos, decidiram desde o início não ter filhos humanos. A escolha foi guiada pela compreensão de que a felicidade não depende da conformidade com as expectativas sociais.
Segundo a “mãe dos bichinhos”, realizar o sonho de ter um cachorro foi uma mudança significativa. Cacau e Dindin, dois Fox Paulistinha, tornaram-se filhos do casal, com direito a cama compartilhada e festinhas de aniversário. Ela destaca a importância de manter os pets conectados ao seu ambiente natural, proporcionando enriquecimento ambiental e momentos familiares na fazenda.
Ambas as histórias refletem a escolha consciente de construir uma família com membros peludos, desafiando as expectativas culturais e encontrando alegria e plenitude em suas decisões.
Brasil é o 3º do mundo em animais de estimação
A última pesquisa anual da Comissão de Animais de Companhia (Comac) do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (Sindan), divulgada no ano passado, mostra que o Brasil é o terceiro país do mundo com mais animais de estimação (cães e gatos).
Essa população é de 85,2 milhões e registrou crescimento de 4,5% em relação a 2020. O país fica atrás apenas de Estados Unidos, com cerca de 150 milhões de animais de estimação e da China, com 141 milhões.
O levantamento aponta ainda que entre os lares com cachorros como únicos animais de estimação, 21% são de casais sem filhos, 9% de pessoas morando sozinhas e 65% de casas com filhos. Outros 5% apresentam outras configurações.
Das residências com gatos como únicos animais de estimação, 25% são de casais sem filhos, 17% de casas com pessoas morando sozinhas e 55% de casas com filhos. Outros 3% apresentam outras configurações.
'Pet parenting'
Para o sociólogo e psicanalista Wlaumir Souza, o fenômeno conhecido como pet parenting (ou parentalidade de animais) está se tornando cada vez mais comum devido à dedicação das mulheres à carreira profissional e à transformação no modelo familiar que a sociedade vem passando.
“A mudança de filhos por pets está em consonância com o momento atual em que vivemos. Um filho demanda muito tempo e esforço, o que pode acarretar certas dificuldades no avanço profissional da mulher, haja vista que muitas delas saem do mercado de trabalho para cuidar dos filhos e depois esse retorno ainda é repleto de desafios. Muitas vezes elas não conseguem voltar a ele”, diz.
Outros fatores que, para o sociólogo, têm feito muitos casais optarem por filhos pets ao invés de humanos está relacionado à questão econômica e insegurança de se criar um filho no mundo atual.
“O Brasil vive uma crise econômica nos últimos oito anos de forma continuada e apesar de crises não serem novidade no país, a intensidade dela vem causando um certo receio nas famílias. A insegurança econômica acarreta um medo de trazer um ser ao mundo”, acrescenta.
Já do ponto de vista psicológico, Souza diz que os animais não questionam e são fiéis aos seus donos e, consequentemente, são mais fáceis de conviver. O que também explicaria a preferência de muitas pessoas, segundo ele.
“Um pet é submisso e atende às regras, mesmo no caso dos gatos, que são mais individualistas. Assim não há o que se preocupar com o destino e liberdade deles. A fidelidade canina, por exemplo, mostra porque o Brasil prefere o cão, totalmente submisso, uma regra clara do país desde a época da escravatura”, finaliza.
Fonte: BBC
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