Se você já deu um banho em um cachorro ou brincou com um deles na piscina, com certeza deve ter levado um “caldo” ocasionado por uma de suas sacudidas. Mas esse comportamento não tem nada a ver com a vontade do animal de se secar: um novo estudo sugere que, na verdade, esse curioso reflexo está relacionado a uma questão genética, impulsionada pelo contato de líquidos com um receptor epidérmico chamado C-LTMR.
O instinto não é restrito aos cachorros. Outros mamíferos peludos, como gatos, camundongos, esquilos, leões, tigres e ursos, também se sacodem fortemente quando estão molhados. Foi pensando nisso que uma equipe de pesquisa, liderada pelo neurocientista Dawei Zhang, da Escola de Medicina Harvard, conduziu experimentos em ratos para entender como e porque tal fato acontece.
“É um comportamento peculiar. Os animais tendem a tremer na mesma frequência e com um padrão semelhante de voltas - geralmente três sacudidas para frente e para trás por vez - e ninguém sabia quais receptores e nervos eram responsáveis; pelo menos, até agora”, explica Zhang, ao site Live Science. Os resultados encontrados pelo grupo foram publicados no dia 7 de novembro na revista Science.
Instinto sob a pele
A pele dos mamíferos possui mais de 12 tipos de neurônios sensoriais, cada um com uma função única para detectar e interpretar sensações. Dessa forma, para descobrir o causador do instinto, os cientistas reuniram ratos de cobaia e pingaram gotas de óleo de girassol na parte de trás dos seus pescoços. Quase todos os exemplares se sacudiram em até dez segundos depois da aplicação.
Eles, então, modificaram geneticamente os animais para derrubar em alguns deles os canais que detectam as forças mecânicas e, em outros, as mudanças de temperatura. Foi assim que se descobriu que os camundongos ainda tremiam, mesmo sem detectar mudanças de temperatura. No entanto, o mesmo não era visto sem os mecanorreceptores.
Com isso em mente, estreitou-se o olhar para três receptores específicos, os quais reagiam a toques muito leves. Por meio da técnica optogenética, que ativa receptores somente com luz, os cientistas acionaram os tipos de nervos individuais sem nenhum estímulo líquido. Os resultados foram claros: quando os pesquisadores estimularam os mecanorreceptores de baixo limiar de fibra C (C-LTMRs), os camundongos tremeram como se tivessem acabado de tomar um banho.
“Os C-LTMRs são um mistério há muito tempo”, afirma Zhang. “Eles eram suspeitos de criar sensações de cócegas em animais com base em pesquisas conduzidas há 80 anos, mas não estava claro como os animais sentiam o estímulo.”
Segundo à revista Nature, nos seres humanos, esses receptores estão associados a toques suaves, mas, em outros animais, eles desempenham um papel um pouco mais complexo: de proteção, alertando o cérebro sobre a presença de água, sujeira ou parasitas na pele.
Pele ultrassensível
Com as observações dos C-LTMRs, o estudo conclui que, quando “objetos estranhos” fazem os pelos dobrarem, isso ativa o comando inconsciente de se sacudir.
Assim, em novos testes, os camundongos foram divididos em grupos experimental e controle. O primeiro conjunto foi geneticamente modificado para remover boa parte de seus C-LTMRs. Já os animais com mutações apresentaram uma redução de aproximadamente 50% nos tremores quando gotas de óleo pousaram em seus pescoços.
Para dar continuidade ao estudo, os autores pretendem investigar se os C-LTMRs hiperativos contribuem para condições como a síndrome da pele contraída em gatos, que envolve ondulação repentina da pele e espasmos excessivos. Outra possibilidade de pesquisa é avaliar a atuação desses receptores na pele humana.
“Se os humanos, com sua pele sem pelos, têm algum vestígio dessa resposta de tremor é uma questão em aberto”, afirma Zhang. ”Mas há uma reação comum de tremor ao toque leve na parte de trás do pescoço em humanos - só não está claro se esse tremor está relacionado ao que um cachorro molhado pode sentir antes de tremer”.
Fonte: Revista Galileu
Imagem: Canva